quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Tinto Chileno no Verão Carioca
[Espaço Gourmet 2010-02]





2010.02052359O6 — 18.109 D.V.

“Acho que criamos um monstro!”
[Eduardo Torres, Enólogo & Presidente do CLFC]



Sob pretexto de pegar tirinhas Os Passarinhos autografadas pelo Estevão Ribeiro, Lúcio Manfredi, Eduardo Torres e Sylvio Gonçalves combinaram um encontro com o casal Ana Cris e Estevão nesta noite de sexta-feira no Espaço Gourmet. Embora tivéssemos comparecido na noite de autógrafos na livraria da galeria Unibanco Artplex na segunda-feira passada, não querendo perder esse ágape, eu e Max Mallmann também fizemos questão de comparecer.

Saí direto do trabalho e, enganado quanto à hora combinada, julgando-me dez minutos atrasado, cheguei lá vinte mais cedo.

O segundo a chegar ao Espaço Gourmet foi Lúcio Manfredi. A presença de Lúcio num evento desse tipo já é uma efeméride digna de comemoração. Ele me contou ter aproveitado a atual maré tranquila em seu ritmo de trabalho como roteirista da Globo com o fim da novela anterior, para escrever um romance fantástico que funde elementos tão díspares quanto mecânica quântica e umbanda. Ecos de Brasyl, romance complexo do Ian McDonald? Lúcio falou que deverá submeter o original nas próximas semanas a uma editora de grande porte. Aventei a possibilidade da Draco como segunda opção. Ambos concordamos que a nova editora paulistana capitaneada por Erick Santos entrou no mercado com a bola toda, cheia de gás para montar um catálogo de responsa em 2010.

Em seguida apareceu Eduardo Torres, atual presidente do Clube de Leitores de Ficção Científica. Expliquei ao Mr. President que havia escolhido uma mesa no setor de rodízio de pizza do restaurante em virtude de reclamações em ocasiões anteriores, quando fomos barrados de passar para tal setor e tive minha decisão aprovada com reservas e sobrancelha presidencial arqueada. Em seguida, resolvemos beber vinho, para o que Eduardo requisitou a carta de vinhos, velha e querida conhecida de outras noitadas. Para nossa surpresa, a carta foi cruelmente "minimalizada" para uma única página, escrita até a metade. Indignado, o presidente convocou o sommelier do estabelecimento, exigência que produziu caras de interrogação patéticas nos três garçons que se acercavam de nossa mesa apreensivos ante a fúria presidencial. Um acólito mais afoito adiantou-se para explicar que havia estoque sortido de bons tintos na adega climatizada da casa. O único problema, segundo o acólito, era que tais rótulos não apareciam na carta de vinhos. Da fúria, nosso presidente passou ao assombro: como poderíamos escolher nossos vinhos sem consultá-los na carta? O garçom solícito propôs, “o Senhor entra lá na adega e escolhe o vinho que quiser...” “Mas, e quanto o preço?”, Edu preocupou-se. “Ah, o preço, a gente combina depois.” “Depois, não. Vamos combinar na hora em que eu escolher.” Assim foi. Mr. President adentrou na adega acompanhado pelo acólito solícito. Após a leitura de uns tantos rótulos e alguns minutos de árduas negociações, nosso hierarca retornou com um Merlot chileno. De acordo com ele, embora aquele vinho custasse cerca de R$ 80,00, sairia por R$ 40,00. “Contudo”, o presidente prosseguiu, “vamos precisar estimpendiar o Fábio no fim da noite.” Determinação que acatei com entusiasmo.

Vinda direto da Biblioteca Nacional de táxi, para evitar o congestionamento que vem assolando o metrô carioca desde a fusão das linhas 1 e 2, Ana Cristina Rodrigues chegou pouco depois do Edu retornar à mesa em triunfo após sua expedição à adega.

Assim que Ana se sentou à mesa, trocamos impressões sobre o pedido de demissão de Paulo Elache do cargo de Secretário Executivo do CLFC, motivado pela criação de seu podcast dedicado à literatura fantástica, o PodEspecular. Lucubrado pelo Elache e concebido inicialmente como veículo do Clube, a criação parece ter adquirido vontade própria e seu criador empolgado desistiu de cedê-lo à entidade, preferindo se afastar do CLFC, deixando sua diretoria reduzida a dois cargos eletivos, presidente e tesoureiro.


Ana Cristina e Lúcio Manfredi.

De um tópico espinhoso para o seguinte, passamos à autópsia do bate-boca animado que assolou a lista de discussão do CLFC nos últimos dias sobre o affair Firekind, título de uma HQ publicada numa obscura revista britânica, cujo enredo teria sido plagiado por James Cameron em seu blockbuster de ficção científica Avatar. Analisando as semelhanças e diferenças entre os universos ficcionais de Firekind e Avatar, depreende-se que, se não houve plágio, houve, pelo menos, inspiração insidiosa por parte do diretor. Contudo, Firekind não foi nem de longe a única fonte de inspiração para Avatar e talvez nem tenha sido a principal. Ora, se ninguém teve faniquitos por causa das outras fontes nas quais Cameron bebeu para conceber seu filme — a citar, sem a menor pretensão de ser exaustivo: o planeta de biosfera predominantemente florestal habitado por alienígenas bonzinhos explorado pela ganância corporativa humana, devidamente escoltada por forças militares da novela O Nome do Mundo é Floresta da Ursula K. LeGuin; o protagonista paraplégico que encarna num avatar extraterrestre poderoso para explorar um planeta alienígena da noveleta “Call me Joe” do Poul Anderson; o vínculo telepático entre dragões voadores e seus cavaleiros do universo ficcional dos Dragões de Pern da Anne McCaffrey; a hipótese de Gaia de James Lovelock, que advoga a tese de uma biosfera viva; e muito, muito mais — por que diabos todo esse alvoroço por causa de Firekind?

Max Mallmann foi o próximo a chegar. Como eu, ele compareceu ao lançamento da tirinha dos Passarinhos do Estevão Ribeiro e, portanto, já adquirira seu exemplar. Max nos contou que seu romance histórico ambientado em Roma Antiga, Centésimo, deverá ser lançado pela Rocco em fins de março e que a sessão de autógrafos será no dia 08 ou 15 de abril próximo. Segundo o autor, trata-se de um livro maciço, com quatrocentas e tantas páginas. Contei que também fui obrigado a rever alguns conhecimentos da história de Roma para escrever o segundo romance da trilogia Protocolos de Etrúria, sobretudo no que dizia respeito às técnicas de combate dos gladiadores.

Aproveitamos o tema romano para discutir as diferenças entre a colonização romana das províncias da Gália, Ibéria e Lusitânia e a colonização da Bretanha. Discutimos a existência histórica e a importância das batalhas, vitórias e derrotas de Vercingetorix, Viriatus e Arminius. Falamos que a rainha bretã Boudicca é considerada atualmente uma heroína nacional na Grã-Bretanha, com direito a estátua em frente a sede do Parlamento e tudo mais. Advoguei a tese de que os veteranos das legiões romanas não conseguiram se fixar tão bem na Bretanha quanto na Gália ou na Península Ibérica, pelo fato de não terem logrado cultivar a vinha e a oliveira nas Ilhas Britânicas.

Por essa altura, Mr. President já precisava admoestar o garçom Fábio para que contivesse seu excesso de entusiasmo ao reencher nossas taças. Degustávamos o Merlot, eu, Ana Cris, Edu e Lúcio. Lá pelas tantas, já francamente arrependido com a liberdade concedida a seu aprendiz de feiticeiro, Edu concluiu à boca pequena: “Acho que criamos um monstro!”. Preocupado com as possíveis implicações financeiras dos desmandos daquele Jovem Frankenstein, retruquei como se não fosse comigo, “Criamos quem, cara-pálida?”

A chegada de Sylvio Gonçalves foi saudada por todos, pois com ele à mesa, a diretoria remanescente do CLFC estava completa. Como Sylvio é o tesoureiro do Clube, falou-se dos recursos da conta de poupança do grupo Rio, ainda sob a guarda segura de Miguel Carqueija.


Diretoria remanescente do CLFC.

Edu aproveitou a presença dos incautos para cobrar com veemência colaboração de contos e artigos para o próximo número do Somnium, o primeiro de sua gestão. Com deadline de 15 de março, fomos intimados a apresentar ensaios, resenhas, contos e artigos. No meu caso, sobrou um artigo inédito de história alternativa. Mais um desses compromissos que não vou conseguir cumprir...

Num arroubo de sinceridade, Lúcio revelou suas preferências sexo-afetivo-literárias dentro da FC brasileira. Claro que esse assunto tinha que descambar para os fãs e hierarcas derretidos por minha persona literária Carla Cristina Pereira. Para deleite dos presentes, revelei alguns nomes, sob promessas solenes de que as informações jamais sairiam daquela mesa. A grande surpresa foi que um dos nomes revelados estava sentado à mesa conosco! Enfim, pacto de silêncio é feito para ser respeitado...

Desse assunto divertido, passamos a outro mais sério, as crises de depressão que acometem vários escritores e fãs da ficção fantástica brasileira.

Encerrados os comes & bebes principais, ingressamos na arriscada, pero deliciosa fase dos licores de alto teor alcoólico. Pedi um Cointreau para mim. Voluntarioso, o garçom Fábio insistiu em servir um licor de menininha para Ana Cris, atitude pela qual foi severamente advertido por nosso presidente, afinal de contas, a situação já ameaçava sair do nosso controle... Como resultado dessa pequena crise, não só o primeiro cálice de licor da Ana ficou por conta da casa, como ainda recebemos generosos chorinhos de cálice inteiro, derramados de um metro de altura por Fábio com rigor exibicionista.


Gerson, Edu e Sylvio ao fim dos trabalhos.

Mais ou menos nessa altura, Edu tirou o time. Antes disso fechou a conta dele e a minha. Gorjetas dadas à parte para nosso aprendiz de sommelier, as duas garrafas do Merlot chileno acabaram nos saindo por inacreditáveis R$ 20,00 a garrafa!

Enfim, quando o Espaço Gourmet já fazia menção de virar as cadeiras sobre as mesas, eis que aparece Estevão Ribeiro com mais um exemplar de Os Passarinhos, pois Ana só trouxera um para o Edu e outro para o Sylvio. Porém, o item mais importante que ele trouxe foi o exemplar do Caderno “B” do Jornal do Brasil com uma crítica bastante positiva da tirinha. Com os poucos neurônios de lucidez que me restavam, recomendei que ele escaneasse aquela página e me enviasse por e-mail.

Saímos do Espaço Gourmet por volta da uma da matina no último segundo possível antes de sermos de fato expulsos do estabelecimento. Supostamente por engano, a mocinha simpática do caixa tentou me cobrar novamente diversos itens da conta. Graças à presciência do Edu, que pedira para fecharem minha conta junto com a dele, não tomei ferro na hora da dolorosa.

Dali, tomei um táxi para casa. Sylvio fez o mesmo. Quando meu veículo passou em frente à calçada cinquenta metros adiante do Espaço Gourmet, avistei o casal Ana & Estevão, Max e Lúcio caminhando juntos em busca de um barzinho ainda aberto para continuar o bate-papo. Meus amigos boêmios.


Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 05 de fevereiro de 2010 (sexta-feira).


Participantes:


Ana Cristina Rodrigues
Eduardo Torres
Estevão Ribeiro
Gerson Lodi-Ribeiro
Lúcio Manfredi
Max Mallmann
Sylvio Gonçalves