terça-feira, 21 de outubro de 2014

Argos 2014
no Planetário da Gávea

Planetário da Gávea.

201410182359P7  —  19.825 D.V.

Compareci neste sábado ao Planetário da Gávea para a cerimônia de entrega do Argos 2014, premiação patrocinada pelo Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC) para incentivar a produção de literatura fantástica nacional.  Em sua fase atual, o Argos possui duas categorias: melhor romance e a melhor ficção curta, premiando os melhores trabalhos do gênero escritos no ano anterior.  Além disso, também homenageia personalidades com papeis considerados relevantes no panorama do fantástico brasileiro, agraciando-os com o Argos Especial, uma espécie de reconhecimento pelo conjunto da obra.
Este ano a disputa estava acirrada nas duas categorias, com a Editora Draco aparecendo com vários concorrentes em ambas.  O escritor de horror André Vianco recebeu merecidamente o Argos Especial, pelo conjunto da obra.
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Vindo direto da aula de italiano sem passar em casa, saltei da carona na esquina da Visconde de Albuquerque com a Padre Leonel Franca.  Mal atravessei a avenida e encontrei o amigo Ricardo França, que também rumava para o Planetário.  França contou que está se ambientando no clima do fandom nas décadas de 1980 e 1990 através da leitura das edições digitalizadas do fanzine Megalon.  Iniciativa louvável de seu antigo editor, Marcello Simão Branco, que vem liberando aos poucos na rede (Bem que o CLFC podia fazer o mesmo com o Somnium, né?).  Comentamos que a comunidade brasileira de FC era muito menor naquela época e que quase todo mundo se conhecia pessoalmente ou pela troca de correspondência, afinal, naqueles tempos pré-históricos não havia internet e, muito menos, listas de discussão e redes sociais.  Éramos então mais ingênuos e, segundo alguns nostálgicos, mais felizes.  O que não chega a causar espanto, posto que os nostálgicos costumam situar a felicidade no passado.  De todo modo, tem sido interessante reler os artigos, resenhas, contos, colunas, cartas e opiniões publicados há coisa de vinte anos, numa época em que o fandom era mais jovem e idealista.  Como muitos jovens idealistas, alguns de nós julgávamos que iriam mudar o mundo com nossos escritos.  Ah, a juventude...  França, ao contrário, está lendo todo o conteúdo do Megalon pela primeira vez.  Com espírito de prospector arqueológico da FC brasileira, vem descobrindo os fatos pretéritos que inspiraram as lendas, desavenças e boatos atuais, bem como quem fazia e escrevia o que naqueles tempos de antanho.
Chegamos ao Planetário às 13h30, meia hora antes do horário previsto para a abertura dos portões.  Após uma tentativa frustrada de nos esgueirarmos para dentro pelo Teatro do Planetário, contornamos a grade da instituição até nos depararmos com o portão principal fechado.  Curiosamente, avistamos o autor gaúcho André Z. Cordenonsi do lado de dentro das grades.  Ele nos explicou que, como chegou lá muito antes, despertou a piedade de um vigia do Planetário, que acabou facultando seu ingresso.  Ficamos batendo papo através do portão fechado durante certo tempo, até que Clinton Davison, presidente do CLFC, emergiu do prédio principal da instituição com o tal vigia a tiracolo e autorizou nossa entrada, alegando ao funcionário que precisava do nosso auxílio para preparar o Datashow para a cerimônia do Argos.  Fizemos os quatro uma inspeção sumária à Cúpula Carl Sagan, onde se daria a entrega dos prêmios.  Porém, como lá não havia técnicos para nos auxiliar e tampouco funcionários para acender a iluminação da cúpula, batemos em retirada rumo a uma sala próxima, espaço que nos foi facultado por Brian Moura, hierarca do Conselho Jedi do Rio de Janeiro.  Mais ou menos por essa hora, chegou o Christopher Kastensmidt, acompanhado pela esposa Fernanda e o filho, esse último, devidamente caracterizado como Indiana Jones.
Chegada de Christopher Kastensmidt e Família.


Aliás, não foi o único, pois Clinton também se vestiu de Indiana Jones, com chicote e tudo o mais.  Aparentemente deslocada num evento de Star Wars, a fantasia foi uma maneira legal de homenagear Oswaldo Lopes Jr., fã e colecionador, considerado um dos maiores especialistas brasileiros na saga desse herói cinematográfico.  Oswaldo faleceu aos 49 anos, uma semana antes da cerimônia do Argos 2014.

Ricardo França, GL-R, Chris Kastensmidt, Clinton Davison, e A.Z. Cordenonsi.

Nosso herói em ação!


Antes da abertura dos portões da cúpula, apareceram Flávio Medeiros, Alberto Oliveira e Clóvis Costa, um amigo gaúcho do Flávio atualmente radicado no Rio.  Na fila de entrada, avistamos ao longe Eduardo Torres, Carlos Patati, Jorge Pereira e Octavio Aragão.  Conversamos um bocado sobre nossas experiências com a compra e leitura de e-books; novos autores de FC estrangeiros; organização e participação nas antologias já lançadas e ainda por sair; eventos futuros e outros assuntos correlatos.
Contei-lhes da minha leitura deliciosa do The Time Travel Megapack (Wildside Press, 2013), organizada por John Gregory Betancourt, que inclui um punhado de contos clássicos com a temática das viagens temporais, inclusive, “Project Mastodon”, do Clifford D. Simak, publicado originalmente em 1951 e que eu sempre julguei que fosse o trabalho do meu autor predileto havia sido mais tarde expandido em seu belo romance Mastodonia (Ballantine-Del Rey, 1973).  Ledo engano!  Tirando uma ou duas ideias básicas, conto e romance têm muito pouco a ver um com o outro.  Aliás, o Simak tinha esse hábito de revisitar e reexplorar temas que ele havia abordado en passant duas ou mais décadas antes.  Coisa parecida com o que H.G. Wells fez ao se valer do conto “The Chronic Argonauts” (1888) como fonte de inspiração para seu romance mais famoso, A Máquina do Tempo (1895).[1]  De todo modo, finalmente preenchi essa grave lacuna em meu currículo que era não conhecer “Project Mastodon”.
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A Cúpula Carl Sagan dispõe de 250 poltronas e estava quase toda ocupada.  A maioria dos presentes era constituída por fãs de Star Wars, uma vez que a cerimônia de entrega do Argos foi inserida numa tarde dedicada àquele universo ficcional.  Para quem ainda não conhece, a cúpula é moderna e confortável, suas poltronas anatômicas são dispostas como as filas de assentos de um anfiteatro grego, de modo que é quase impossível ao espectador ter sua visão do palco prejudicada pela pessoa sentada à sua frente.  Os nomes dos trabalhos e autores concorrentes deveriam ter sido projetados na própria cúpula desse espaço.  Contudo, infelizmente, o técnico responsável não compareceu e os mestres de cerimônia de cada categoria foram obrigados a ler os títulos e autores a partir do notebook do Clinton.

Plateia 1: Carlos Patati e Jorge Pereira.

Plateia 2: Eduardo Torres, Clóvis Costa e Flávio Medeiros.

Plateia 3: Ricardo Herdy, França e A.Z. Cordenonsi.

Argos 2014: Minutos finais do suspense...

Mr. President Bill Clinton Davison.


Após um introito breve, Brian Moura passou a palavra para o Presidente Clinton.  Porém, como esse ainda estava atarantado em fazer o Datashow funcionar, Brian e outro hierarca do Conselho Jedi Rio entretiveram a plateia durante alguns minutos com notícias e novidades sobre o universo ficcional que ambos cultuam.
Quando plateia e organizadores se convenceram de que o Datashow não iria mesmo funcionar, a cerimônia pôde enfim começar.  Clinton convidou o autor texano-gaúcho Christopher Kastensmidt para entregar o Argos Especial a André Vianco.
Christopher fez um belo trabalho ao apresentar uma breve visão panorâmica da carreira bem-sucedida do Vianco.  Em seu discurso de agradecimento, o homenageado falou um pouco sobre o dia a dia do escritor de literatura fantástica, destacando não só o prazer de criar universos, mas também as dificuldades das nossas labutas diárias e as atividades sociais das quais somos obrigados a abrir mão.

Christopher entrega o Argos Especial a André Vianco.



Em seguida, Clinton me convocou ao palco improvisado para entregar o Argos 2014 na categoria Melhor Ficção Curta.  Fiquei surpreso e emocionado com as palavras gentis do Mr. President ao me apresentar à plateia.  Sem ter preparado nada para falar, tergiversei algumas palavras sobre a importância da ficção curta na evolução do gênero de literatura fantástica em geral e da ficção científica em particular.  Em seguida, li a relação de concorrentes[2] e abri o envelope para anunciar o vencedor: “Viragem”, de Octavio Aragão, publicado na antologia Caçadores de Bruxas (Buriti, 2013).  Octavio pareceu algo surpreso e bastante emocionado.  Mais tarde declarou que não se julgava favorito nesta categoria, em virtude da qualidade dos trabalhos concorrentes.

Octavio Aragão, GL-R e o Argos 2014.


Finalmente, Clinton convocou André Vianco para entregar o Argos 2014 para o vencedor da categoria melhor romance.  Vianco leu a relação na tela do notebook[3] e anunciou o vencedor: Filhos do Fim do Mundo, de Fábio M. Barreto, publicado pela editora Fantasy.  Assim, voltei ao palco, pois o amigo Fábio havia me encarregado na antevéspera de representá-lo na premiação.  Agradeci os votos dos eleitores do Argos em nome do autor galardoado (sempre quis usar esta expressão!) e falei da importância de Fábio M(adrigal) Barreto para o fantástico nacional, não só como autor, mas como editor e articulador.  Fábio foi o criador do Prêmio Nautilus na década de 1990 e o editor do selo Unicórnio Azul em 2006, pelo qual lancei a coletânea de história alternativa Outros Brasis (Mercuryo), meu primeiro livro publicado no Brasil.

André Vianco entrega o Argos 2014 Melhor Romance.


Filhos do Fim do Mundo - Prêmio Argos 2014
Categoria Melhor Romance.



Encerrada a cerimônia do Argos 2014, concentramo-nos no portão principal do Planetário e dali seguimos a pé até a Praça Santos Dumont, onde ocupamos uma mesa no Bar do Hipódromo, uma galeteria bastante razoável da região que, além da climatização adequada, jamais se encontra tão lotada quanto o badalado Braseiro da Gávea, outra galeteria defronte à primeira.  Numa mesa comprida e bem abastecida por tulipas de chopes e latas de refrigerantes, degustamos linguiças, galetos, provolone à milanesa e risotos, e nos refestelamos nas fofocas mais recentes e cabeludas do fandom de literatura fantástica nacional; além de comentarmos sobre as expectativas e surpresas nas indicações e premiações do Argos deste ano; os cronistas romanos cujos textos digitais estão disponíveis em domínio público; as condutas marqueteiras e/ou divertidas das celebridades e subcelebridades do cenário literário brasileiro e internacional; os banhos frequentes dos brasileiros em viagem ao exterior; os casos médicos escabrosos (quase todos de caráter proctológico) assistidos pelo Doutor Medeiros no Pronto-Socorro de BH; e outros bichos mais.
Radiante, Octavio exibia o Argos 2014 dele para os amigos, enquanto eu mantinha o prêmio do Fábio Barreto profundamente malocado em minha bolsa, para evitar que algum aventureiro lançasse mão...

Bar do Hipódromo 1: Luiz Felipe Vasques, Octavio, Argos 2014 e Patati,


Descobri finalmente que a Lila Montezuma, namorida do Osmarco Valladão, não é afinal parente do célebre Professor Montezuma, grande mestre e figura legendária que proferiu aulas de história e geografia inesquecíveis no Colégio Marista São José (dentre outros estabelecimentos de ensino cariocas) lá pelos idos dos anos 70 do século passado.
Aproveitei a oportunidade para agradecer mais uma vez ao amigo Patati pelo convite para participar de uma mesa-redonda sobre ficção científica no Colégio EDEM no início deste mês na companhia do próprio Patati, de Bráulio Tavares e de dois pesquisadores da FIOCRUZ que empregam a ficção científica para estimular o interesse dos jovens pela ciência.
Também se falou sobre a possibilidade de se criar aqui no Brasil uma organização mais ou menos nos moldes da Science Fiction & Fantasy Writers of América (SFWA).  Nada pelo qual não tenhamos ansiado antes e sobre o qual não tenhamos debatido antes.
Em resumo: curti quatro horas de papos deliciosos e diversão excelente em companhia de alguns dos meus melhores amigos.  Dos presentes à cerimônia do Argos, apenas Eduardo Torres e André Vianco não puderam esticar na Hipódromo.  Uma pena!

Bar do Hipódromo 2: França, Cordenonsi, Alberto Oliveira, Flávio Medeiros.

Bar do Hipódromo 3: Osmarco Valladão, Felipe e Octavio.



Bar do Hipódromo 4: nossa mesa.


Saindo da Praça Santos Dumont, eu e Flávio Medeiros seguimos a pé até minha casa, onde buscamos a Cláudia para irmos ao show do Roger Hodgson do Supertramp no Vivo Rio.  Mesmo cansados, não pensamos duas vezes ao aceitar o convite do Clóvis Costa e do Flávio Medeiros.  Afinal, era para assistir o show num camarote maravilhoso (que no Vivo Rio é chamado “suíte”), com uma consumação de R$ 180,00 já incluída nos convites.  Em função da exaustão dos últimos dias, pensei muito mesmo antes de aceitar o convite: um centésimo de segundo inteirinho!  Programa sensacional em noite absolutamente memorável: O ex-vocalista e compositor do Supertramp apresentou várias músicas do repertório de sua antiga banda e alguns de seus sucessos solo relativamente mais recentes.  Como bom dinossauro que se preza, gostei mais das antiguinhas.  Bom, mas como ninguém é de ferro, fomos obrigados a acompanhar o espetáculo degustando algumas taças de um Catena Zapata Cabernet Sauvignon complexo e maravilhoso.  Vida dura, eu sei!  Mas, alguém tinha que encarar essa parada...J

Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 18 de outubro de 2014 (sábado).


Participantes:
Alberto Oliveira
André Vianco
André Z. Cordenonsi
Carlos Eugênio Patati
Christopher Kastensmidt
Clinton Davison
Clóvis Costa
Eduardo Torres
Fernanda Kastensmidt
Flávio Medeiros
Gerson Lodi-Ribeiro
Jorge Pereira
Lila Montezuma
Luiz Felipe Vasques
Octavio Aragão
Osmarco Valladão
Ricardo França
Ricardo Herdy




[1].  A propósito, esse conto seminal do H.G. Wells se encontra em domínio público e, portanto, disponível para download gratuito.
[2]Concorrentes Melhor Ficção Curta:
“A Copa dos Mitos” (Christopher Kastensmidt), Brasil Fantástico (Draco);
“A Sacola da Escolha” (Maria Helena Bandeira), Brasil Fantástico (Draco);
“Lenda Urbana” (André Z. Cordenonsi), Somnium, clfc.com.br;
“Momento decisivo” (Luiz Felipe Vasques & Daniel Bezerra), Excalibur (Draco);
“Soylent Green Is People!” (Carlos Orsi), Solarpunk (Draco); e
“Viragem” (Octávio Aragão), Caçadores de Bruxas (Buriti).

[3]Concorrentes Melhor Romance:
Filhos do Éden: Anjos da Morte, de Eduardo Spohr (Verus);
Filhos do Fim do Mundo, de Fábio M. Barreto (Fantasy);
Glória Sombria, Roberto de Sousa Causo (Devir);
Homens e Monstros – A Guerra Fria Vitoriana, de Flávio Medeiros Jr. (Draco);
O Espadachim de Carvão, de Affonso Solano (Casa da Palavra);
O Homem Fragmentado, de Tibor Moritz (Terracota); e
Reis de Todos os Mundos Possíveis, de Octavio Aragão (Draco).

2 comentários:

  1. Com certeza uma dia fantástico com o melhor da FC Brasileira. Parabéns aos premiados e Clinton, como sempre, uma figura!!!

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  2. Parabéns pela tarde de autógrafos e pelos muitos livros escritos! Confesso que não voltei ao stand pelo calor senegalês que fez aquele dia e pelo céu escuro que prometia boa chuva.

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